segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Todo dia na minha rua, lá pelas 3 horas da tarde, ouve-se um apito. Mais alto do que o barulho dos carros passando, as pessoas falando, as construções sendo construídas. Um apito de sorveteiro, aquele mesmo que é característico da infância de todo mundo, já que todo mundo um dia já foi criança. O curioso é que o senhor que sobe a ladeira empurrando um pesado carrinho de mão não vende sorvetes e nem mesmo geladinhos. No lugar de ter um caixote térmico, ele leva consigo um amolador de facas. Quer dizer, esse senhor afia facas a domicílio, se é que eu posso usar esse termo, e ainda avisa sua seleta clientela quando está por perto fazendo uso do mesmo apito dos sorveteiros (que ultraje!). 
Facas. É o que agora eu associo ao apito. Na infância, sorvetes; na vida adulta, facas. Um tanto cômico, mas não deixa de ser simbólico. 
Como adultos temos que aprender a cortar as coisas, e eu não digo só pra cozinhar, não (apesar de isso ter sido uma coisa que eu tive que aprender, e me bati um monte ainda). É saber o que presta e o que não presta pra vida, é tomar prumo de vez. Pressão, mesmo. E ainda levar na cara por fazer escolhas, já que o responsável por elas é você - quem mais seria, né?
O senhor-afiador-de-facas-a-domicílio não deve conhecer o Dallas Green, do City and Colour, e também não deve imaginar o que eu penso toda vez que cruzo com ele e seu apito quando desço correndo a rua pra chegar até o ponto de ônibus. Mas deve saber, de fato, que lidamos com facas todos os dias, todas as horas - estejam elas afiadas ou não.


Sinto como se houvesse
uma infinidade de
pequenos
alfinetes

espetados
bem dentro
de mim.

Respirar fundo
só faz 
doer 
mais.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Depois de um suspiro profundo, ela disse:
- Acho que preciso ir embora.
- Mas já?, respondeu ele, deitado na cama. Tinha em mãos uma taça de vinho tinto que havia carregado até o quarto depois do jantar.
- É... Mas eu espero você terminar o vinho, disse ela, sorrindo um sorriso triste.
Chamou-a para deitar ao seu lado. Ela foi, repousou a cabeça em seu peito. Dessa vez, foi ele quem suspirou.
- Vou tomar bem devagar, então.

sábado, 7 de junho de 2014

Ando tão fora do lugar que mal tenho reparado nos detalhes das coisas. Logo eu, que costumava observar tudo ao meu caminho. As pessoas nos ônibus, os carros, o céu. A impressão que tenho é de que estou vivendo um grande período de amnésia alcoólica na minha vida - aquele buraco na memória em que você faz coisas, todas conscientemente e com algum motivo, mas não lembra uma coisa sequer depois. Tudo tão no impulso, tudo tão de repente. 
Já há algum tempo não tenho me sentido eu mesma. Mudei o corte de cabelo; gostei por pouco tempo. Mudei os óculos; não tenho mais certeza. Evito me olhar no espelho. Me sinto uma estranha. 
No auge dos meus quase-vinte-e-três-anos ando perdida por São Paulo, no modo piloto automático, sem saber o que buscar. Quem sabe, em breve vem a ressaca do dia seguinte junto com as risadas e arrependimentos pelas histórias bêbadas. Alguma coisa vou sentir, pelo menos.

domingo, 25 de maio de 2014

Ela, que de tanto escrever
Se afogou
Que de tanto tentar
Se cansou
Que de tanto correr
Desabou.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Você me abraça e eu passo vagarosamente as pontas dos meus dedos pelas suas costas. Acho que sei de cor as pintas que você tem no ombro esquerdo, mas esse caminho nunca me cansa. Com as mãos, desenho na sua pele como se meus dedos fossem lápis de cor, giz de cera, pincel inundado em tinta guache. Desenho o que não dá pra ver. O que não dá pra ouvir. Desenho. 
Os mais atentos conseguiriam ouvir um barulho, como se fosse lápis passando de raspão pelo papel - minha pele sobre a sua pele. 
Não ouvimos.
Sua pele sobre a minha pele.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Pequeno prazer da vida #4

- Ver o pôr-do-sol da Rambla.